Um tiro. Uma bala passou pelo couro cabeludo, raspando o crânio. Ela estava cortando caminho por uma viela de Guarulhos, na Grande São Paulo. Sozinha dirigiu até o Pronto Socorro acreditando que tomou uma pedrada. No atendimento, ainda sem saber o que tinha acontecido, teve a cabeça raspada. O cheiro de pólvora chamou a atenção do médico. O RX mostrou o ferimento. A bala entrou e saiu, como por milagre, deixando os sinais da sutura e um motivo para recomeçar. “O médico disse: levante a mão para o céu, você nasceu de novo. E assim foi”, conta Angela Vitalino Faria.
Ela foi a primeira pessoa da família a ter um diploma universitário. Não foi fácil. Filha de uma dona de casa e um fiscal de transporte público que mudaram do Paraná para São Paulo apenas com uma mala de roupas, uma concha, uma escumadeira e esperança. Angela estudou gestão ambiental. Desde os 15 anos trabalhou com afinco dentro de indústrias com questões ambientais. Fez pós-graduação em administração, foi promovida muitas vezes. E depois de tanta luta, de tanto esforço, de tantas promoções, foi demitida em 2014. Sentiu-se humilhada, frustrada, decepcionada, claro. Quem não se sentiria?
Permitiu-se descansar por dois meses, mas quando as contas começaram a apertar, com uma filha e um neto para criar, ela percebeu que era hora de renascer, de novo. “ Eu sempre trabalhei para os outros. Dessa fez queria fazer diferente, do meu jeito, dar o melhor que podia por mim mesma”, relembra.
Foi convidada para revender produtos de beleza. Gastou o dinheiro da rescisão contratual investindo em cosméticos e saia de porta em porta oferecendo xampus, condicionadores, máscaras de tratamento. Sem experiência no mercado da beleza usava os recursos que dispunha. “ Vendia pelo cheiro. E dizia aos compradores que se os resultados não agradassem eu devolveria o dinheiro”. Nunca aconteceu.
Ela mesma perdeu dinheiro ao ser abandonada pelo sócio. Mas para Angela, que sobreviveu a um tiro na cabeça, isso não foi nada! Arregaçou as mangas e foi para a rua. “Eu era supervisora, gerente, só andava de salto alto nas empresas onde trabalhei. Precisei calçar sapatilhas e caminhar”, revela.
Deu certo. Em 6 meses ela já tinha clientes fieis, encantados mais com o atendimento do que com o produto em si. Por isso ela decidiu criar a própria marca. Nasceu assim a Bambbu Cosméticos, uma semente plantada na ideia de trabalhar por ela mesma, fazendo melhor possível. Contratou uma empresa para fabricar os produtos e continuou as vendas nos salões já parceiros. Mas os sonhos de Ângela eram maiores. Ela queria levar os produtos nos quais acreditava para as casas das pessoas. Criou as linhas de manutenção, que passaram a ser revendidas nos salões. O faturamento da empresa vinha 70% dos itens para salão e 30% daqueles de uso doméstico. Mas aí, chegou a pandemia do novo coronavírus. Os salões fecharam as portas. Só não fechou a criatividade de Ângela.
A Bambbu começou a vender pela internet o que já fazia sucesso com os cabeleireiros. “ Eu nunca fiquei sentada esperando acontecer. Eu sempre fiz acontecer”, reflete ela. De casa, alimentando o site, como se os desafios fossem nada, a avó e empreendedora descobriu-se grávida aos 40 anos.
No hospital, quando André veio ao mundo, ela atendia clientes pelo celular. As consumidoras mandam fotos para pedir orientação sobre que linha escolher e ela responde uma a uma, numa dedicação afetuosa, artesanal. “ Eu ganhei amigas, não apenas clientes”, comemora.
Mas como, se ela é gestora ambiental? Ângela é mais! É um máquina de buscar conhecimento. Fez curso técnico de química e enfrentou ainda as salas de alua de uma pós-graduacao em cosmetologia. Estudou muito mais, sozinha em casa, em pesquisas infindáveis. Redefiniu as fórmulas da Bambbu, incluiu ingredientes naturais, removeu aqueles que poderiam fazer mal à saúde e ao meio ambiente. “Usamos apenas ingredientes veganos, sem parabenos, sem derivados de petróleo. Apenas manteigas vegetais como ativos de tratamento. E não testamos em animais”, reforça.
A mulher que foi avó aos 36 anos, sem um único fio de cabelos brancos, tirou da cabeça uma linha para embelezar madeixas grisalhas. “Percebemos que o ser humano está carente de tudo e decidimos acolher e apoiar a liberdade das mulheres serem quem quiserem ser”, conta Ângela.
Acompanhando a transformação das clientes-amigas a Bambuu começou a receber tantas histórias inspiradoras de mulheres que se libertaram, sem tonalizantes, que criou a página “Cabelos Brancos e Grisalhos” nas redes sociais. Começaram a chover depoimentos, milhares de seguidores. Começaram a multiplicar as vendas. “ Hoje nosso faturamento se inverteu. Passou a vir 70% do site, com linhas para cuidados em casa e 30% dos salões”, diz. Ela precisou contratar duas funcionárias para atuar na empresa que se resumia ao marido, Ângela, a filha de 26 anos.
Enquanto amamenta o mais novo ela ainda agradece, mas ainda não se dá por satisfeita. Faz trabalho social com a ONG Salvando Almas, no amparo e acolhimento à famílias carentes. E ainda apoia a campanha Amor em Mechas, que recolhe doações de cabelos grisalhos para a produção de perucas que vão beneficiar mulheres com câncer. Como se não bastasse planeja abrir a própria fábrica. Colocar a mão na massa para produzir cada cosmético, expandir a linha e os sonhos. Alguém tem dúvidas de que vai conseguir?
É que ao ver a morte de perto ela decidiu tirar da vida o melhor que puder. Para ela e para o mundo. “Eu quero ser uma pessoa que muda o mundo, que muda a vida das outras pessoas. E eu sei que é possível, porque sempre estou vivenciando milagres” .
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